Patrimônio Tombado. Mas não literalmente
Essa semana fui à “beira do mercado” comprar uma panela térmica para nosso projeto “Dando Sopa”. A loja era bem perto do Mercado Adolpho Lisboa. As ruas estavam apinhadas de gente. Um calor incomum emanava do piso fumegante. Músicas bregas saíam da caixa acústica de uma van, propagadas em alto e mal som. Transeuntes passavam apressados disputando a calçada com os estivadores e os caminhões de carga que descarregavam seus produtos disputavam espaço com os carros de passeio nas ruas. Pensei: povo sofrido, caldo humano composto de homens, mulheres, vendedores, compradores, carregadores do porto, pedintes, ambulantes, vagabundos e manobristas. Uma louca desdentada e semi nua me convidou para dançar o forró que saía da caixa de som. Recusei educadamente. Desviei o olhar para ver um carregador do porto subindo a ribanceira do cais, encurvado sob o peso desproporcional de cinco sacos de farinha.
No meio de minha “viagem” olhei para o alto, acima do caleidoscópio humano. Algo me chamou a atenção. Divisei o Mercado Público Adolpho Lisboa em completo abandono. As paredes descascadas, os rebocos caindo, as grades importadas enferrujadas e os vitrais arrebentados.Tomei um susto. Pouco do fausto do prédio imponente construído no período áureo da borracha era agora percebido pela retina de meu olhar incrédulo. O mercadão, construído no início do século vinte, foi edificado como uma pequena cópia do Le Halle de Paris. À margem do Rio Negro, ergueu-se um dos mais importantes exemplares da arquitetura de ferro sem similar em todo mundo, uma obra arquitetônica que foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, se deteriorando e ninguém tomando providência. Diante dessa triste cena, não imaginaria que a prefeitura, o estado, órgãos públicos e privados ou seja quem for, pudessem deixar uma obra que é cartão postal de nossa cidade, entregue às baratas. Isso, em um tempo em que todos os Estados do Brasil tem restaurado seus mercados públicos, transformando-os em atração imperdível, em lugares aconchegantes com ótimas opções para levar a família para comer boa comida (lembro agora o de São Paulo que é fantástico. Reconheço a iniciativa de reformar o quartel da polícia e sua praça, o Palácio da Justiça, e a alternativa do largo de São Sebastião como um centro cultural optativo. Mas ainda é pouco. Porque daqui a pouco ninguém vai querer ir ao centro da cidade fazer qualquer coisa.
Em Manaus mais um monumento histórico tende a acabar (se não se tomarem providência com urgência) e se tornar escombro por puro descaso. Fiquei triste. Aconteceu com o Cabaré Chinelo, com o Cine Guarany, com os bondes, e está acontecendo com nosso mercado e está acontecendo com centenas de casas do centro da cidade da época áurea da borracha, construídas ao estilo português, com frisos artísticos, grades de desenhos conplexos e fachadas do início do século passado, hoje arremedos desgastados pelo tempo, fadados a serem ruínas habitadas por bandidos e malandros.
Sei que minha opinião pode ser um pingo dágua no oceano mas aqui fica registrado o meu protesto de cidadão amazonense apaixonado por minha terra. Não podemos ser uma cidade progressista com seus viadutos, suas passagens de nível, com seus prédios de arquitetura arrojada, com seus condomínios fechados, com seus inúmeros shoping centers, tudo em detrimento da nossa herança histórica ameaçada e ante o fato de vermos tombados ao chão nossos monumentos tombados como patrimônio de nossa querida cidade. Autoridades de Manaus, devemos tombar nossos edifícios antigos, mas não levem para o sentido literal da coisa....
Comentários
Se não me engano o Adolfo Lisboa está em obras de revitalização a anos num eh naum? Só não se vê ninguem trabalhando lá, devem achar que ele vai se revitalizar com o tempo. Sozinho.
Boa semana!