PORQUE AINDA VOU À IGREJA?
Ainda vou à igreja, mas não nos moldes tradicionais como se entende conceitualmente igreja nos dias de hoje, cerceadora da liberdade da consciência alheia, com sua sobrecarga de acusações, com suas redes de julgamentos e suspeitas, com sua disciplina legalista, com suas vergonhosas escaladas de cargos e ofícios, com seus sermões vociferados por pastores adoecidos de alma, que despejam culpa (como fruto de suas próprias patologias não resolvidas) nas mentes fragilizadas de gente sofrida que já vive debaixo das cobranças e acusações que a vida cotidiana lhe impõe, causando danos irreparáveis a psique, que só a graça inefável pode curar e restituir.
Ainda vou à igreja, mas a Igreja que vou a cada domingo nem nome de igreja tem. Num raro lampejo de lucidez a intitulei de Abrigo R15, para desviar o foco dos curiosos sinceros das desgraças irreversíveis que a igreja institucionalizada imprimiu em milhões de pessoas ao longo dos séculos, e lá tento desconstruir a liturgia cimentada com os traços sutis de culto pagão que herdamos, levada a efeito milênios a fio na base espúria da estrutura do governo romano, instituída pelo imperador Constantino depois de ter se “convertido” a fé cristã.
Ainda vou a igreja para tentar expurgar a igreja de todos os ranços medievais e os conceitos paralisantes minados de teologias maniqueístas dualistas que se enroscaram como parasitas ao tronco original da videira Verdadeira, e arrancar, ramo a ramo, até descobrir seu sentido original.
Ainda vou à igreja, mas vou, em busca da igreja da diversidade, da fusão de culturas e experiências (como bem exemplificam o colégio apostólico convocado por Cristo e a liderança da igreja de Antioquia), a procura de um grupo de cristãos sinceros, com o qual me identifico, e compartilho ali a mesma marca de humanidade frágil com que outros carregam e ali me exponho, como peregrino com outros peregrinos, a mais completa dependência de Deus, e todos juntos, trilhando o caminho do céu.
Ainda vou à igreja, mas sempre buscando descobrir sua essência perdida, sua originalidade, conforme Jesus a inaugurou, e conforme se espelha nas Escrituras, a igreja primitiva como conceito original demonstrado no livro de Atos, aquela que se reunia no primeiro dia da semana, comunitariamente como uma grande massa homogenia no pórtico do Templo, na sinagoga da cidade, nos mercados, em eventos e festas, em escolas alugadas, em praças públicas, em lugares de debate, e mais tarde, igreja underground, contracultural, escondida em catacumbas, em cemitérios e lugares ermos, onde podia se reunir para celebrar a redenção da cruz, para adorar, aprender os ensinamentos de Jesus e partir o pão na grande ceia.
Ainda vou à igreja, porque quero descobrir igreja como organismo vivo, que se reunia durante a semana para aprender a doutrina dos apóstolos (os que foram testemunhas oculares do ministério terreno de Jesus, andaram com Ele e viram pessoalmente a Sua ressurreição), a igreja do discipulado despretensioso, que possuía comunhão visceral uns com os outros, cujos membros estavam juntos, orando juntos, tendo tudo em comum, vendiam suas propriedades e distribuíam o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade, diariamente indo ao templo, cristãos que partiam o pão de casa em casa, e tomavam suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo.
Ainda vou à igreja, porque creio nessa igreja informal. Sem templo e sem riqueza, a igreja da primeira carta de Paulo aos coríntios, capítulo 14, verso 26, da diversidade de dons e talentos que se derramam naturalmente, trazendo edificação e crescimento espiritual a todos.
Vou continuar a ir à igreja. E vou continuar lutando com todas as minhas forças para vivenciar hoje, essa modalidade de igreja neo-testamentária no Abrigo R15, uma igreja baseada em relacionamentos, que se reúne desafetadamente em auditórios, nas casas, em livrarias, em cafés, em bares, jogando conversa fora ou elucubrando sobre altos papos teológicos, e até em quadras de futebol, jogando uma pelada nas manhãs de domingo.
A Igreja da qual se diz:
Da multidão dos que creram o coração era um só. Ninguém considerava exclusivamente sua nenhuma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça.
Se essa igreja pode ressurgir, como mais que esperado renovo recrudescendo do troco original da Videira, é essa igreja que vou continuar me congregando, uma igreja que está acontecendo, se descobrindo, até ser convocada para o dia da reunião cósmica na ceia universal, com todos os santos em uma imensurável mesa, desta feita, nas regiões celestiais.
Comentários
que sejamos parte desse movimento e não sirvamos de empecilho!
Voltemos a origem e ela é simples mesmo. Assim como esse texto; Sem rodeios.
= ) Godblexxx*
Belo texto - realmente há uma revolução silenciosa acontecendo no meio da Igreja - esse inconformismo é salutar e restaurador.
A consciência de "Cristo em vós, esperança da glória" é irreversivel - afinal somos Igreja na vida, não tempplos físicos ou lugares pre-determinados.
Valeu