MEMÓRIAS - Histórias ao redor da mesa



Ontem assisti de novo o fascinante filme Big Fish dirigido por Tim Burton. Claro que fiz um associação direta do pai Ed Bloom e seu realismo fantástico de narrar histórias e as histórias que meu pai contava para a família ao redor da mesa.

As histórias narradas em torno da mesa era uma cultura muito forte em nossa casa na rua Luiz Antony. Meu pai, era e é um exímio contador de histórias. Sempre na hora das refeições, papai iniciava sua narração vívida em detalhes rebuscados, a respeito de suas aventuras dos tempo de menino, no Arari, pequeno vilarejo às margens do lendário rio Mearim, no interior, bem interior do Maranhão.

Todos os dias após à oração de gratidão pelo alimento, ele logo falava: Essa vocês ainda não ouviram! E já aguçávamos nossos ouvidos para ouvir mais uma exposição de proezas fantásticas novas ou repetidas. Bem cedo fiquei familiarizado com os personagens cativantes da família Silva, protagonistas principais de seus enredos, como a vovó Antonina, o vovô Antônio, a bizavó e matriarca do clã, Mãe Dona, os tios Burjaca e Juaca, o dono da mercearia, Lucas Ericeira, pançudo, com sua camisola de dormir, e tantos outros que compunham um cenário mágico em minha mente imaginativa de criança.

Histórias sobre meu avô Antônio, depois de inúmeros fracassos no comércio de peles e sal, (o preço da pele despencou no mercado financeiro, e quando ele transportava um carregamento de sal, a balsa afundou). Depois de muitas tentativas de trabalho, tomou a decisão radical de empreender uma viagem cheias de percalços até a longínqua Manaus, encravada na perigosa, mas promissora Amazônia. Chegando à Manaus, a família passou por um período prolongado de grandes vicissitudes, de falta real de recursos financeiros, e depois, a escalada dificultosa do papai em trabalhar como vendedor de perfumes feitos artesanalmente por minha avó, as humilhações que experimentou nos vários empregos de ofice-boy, para depois casar e continuar o curso de Direito, passar no concurso do Banco do Brasil e também dar aulas na faculdade, trabalhos que perseverou durante toda a vida. E a árdua tarefa de educar e sustentar a família com os quatro filhos.
Grande homem, grande aventura.

De tanto ouvir a história das buscas espirituais da vovó Antonina, quase que decorei. Ela era uma mulher estremamente religiosa, sendo devota de Nossa Senhora do Carmo, quanto mais buscava uma vida de preces intermináveis diante do oratório da sala, quanto mais as sombras da opressão lhe acossavam a alma sedenta. À noite, quando a casa estava envolvida no silêncio e na escuridão, em algumas noites ouvia claramente o poço do quintal ruir fazendo um grande estrondo, ou então, em outras, pressentia a presença de um tenebroso pássaro que adejava agonizante, o qual ferido, se debatia fortemente contra a janela da sala. Até que o som daquele abanar de asas ia se afastando, após a família inteira ser convocada para clamar incessantemente diante da imagem imaculada da virgem no centro do oratório. Depois de lutas espirituais profundas, ela obteve alívio pra sua alma cansada e verdadeira paz interior pela primeira vez, após ouvir a mensagem do Evangelho através de um velho pregador pentecostal intinerante que passava pela cidade. O resultado é que minha vó se tornou uma mulher destemida, cheia de amor por Jesus e marcada pela oração incessante pelas madrugadas. Ainda lembro as calos que se formanram em seus joelhos acostumados a de dobrarem em momentos duradouros de oração.

Essa habilidade de contar histórias com criatividade para tecer incríveis enredos de pura imaginação, também foi uma virtude de meus irmãos mais velhos. Após os almoços, invariavelmente, o Tony e o Alé sentavam nas cadeiras de embalo da sala, e além de tocarem violão e cantarem várias musicas dos Beatles e outras que faziam sucesso no rádio, também conversavam entusiasticamente sobre a Base, um suposto centro avançado de espionagem internacional, que possuia uma passagem secreta para nossa casa. Através desses portais voláteis, pois a entrada variava a cada dia seu posicionamento, informações de cunho altamente secreto, como coordenadas de viagens de reconhecimento pelo mundo, projetos de carros futuristas, e naves espaciais intergaláticas eram passadas pelos agentes secretos Denis e Tonico, a meus irmãos, de forma misteriosa. Eram conversas tão convincentes, que eu e minha irmã Necil, acreditávamos piamente que a Base realmente existia. Tanto que muitas vezes empreendemos muitas buscas no afã de descobrirmos onde ficavam essas passagens secretas dentro de nossa casa. Procurávamos nas paredes, dentro e atrás dos guarda-roupas, e abrindo um alçapão que tinha debaixo de uma das camas do quarto, que dava acesso ao porão escuro no subsolo da casa.
Quão importante para minha formação cultural foram essas conversas ao redor da mesa, que tanto aguçaram a imaginação e me fez cultivar uma mente criativa, que por sua vez tem influenciado a criatividade e a formação cultural de meus próprios filhos.

Comentários

Ariovaldo Jr disse…
Contar histórias é uma arte. Este filme também me lembrou de muitas coisas que aprendi com meus avós.

Aliás, embora eu não me lembre de 99% das coisas sérias que me foram ditas na infância, cada história contada de maneira mirabolante está gravada, com lembranças sólidas até da expressão facial de quem as contou.

Aliás, Jesus era bom nisso também né? Cheio de boas histórias para explicar as coisas.
markeetoo disse…
Hehehe já tive o prazer de ouvir o vovô contando essas histórias tb. Me amarro em ouvir um bom contador de histórias. É raro isso, hoje todo mundo só quer falar, difícil parar pra ouvir.
Esse filme é demais e perceber como as histórias ficaram marcadas na sua mente é massa demais tb.
Conhecendo o vovô dá pra entender de onde surgiu tanta criatividade herdada pelo senhor e seus irmãos ehehe.
Quem contava fatos assim era o meu avô materno. Ele era militar e sempre tinha uma história bacana. Lembro muito pouco porque eu tinha cinco anos quando ele faleceu. Mas até hoje os meus tios e minha mãe repassam o que ele contava.
Muito bom mesmo!
Edjane disse…
Gostei!Criatividade vem de berço nessa família... Essas histórias de antigos são muito boas, gosto muito de ouvir.
Parabéns!
Marilena Silva disse…
eu amo esse filme e toda vez que assisto me acabo de chorar!!! E quanto a essas histórias da família já ouvi uma trocentas vezes e sempre são super interessantes, principalmente quando contadas pelo Seu Manoel.
Valdir Franca disse…
Muito oportuno o uso que vc fez do filme. Eu fui introduzido a este filme por minha filha Rebeca e fiquei fascinado com sua relacao com o evangelho em nossas vidas, que de contador, passamos a ser protagonistas dessa historia maravilhosa a medida que contamos sobre Cristo e seu amor!
Parabens, pelo Blog ta muito bom Manoel!
Alexandre Silva disse…
É bom crescer, amadurecer, e, depois, de um tempo, espero que muito tempo, morrer, mas, a intimidade familiar com todas as suas estórias passadas, formando a história presente e a futura, nos fazem retornar no tempo e vivenciarmos novamente aqueles deliciosos momentos, assim, nos tornando melhores, mais felizes. Que bom.

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