CEGUEIRA NA IGREJA DE HOJE?



"Por que foi que cegámos, não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso? penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem”.
- trecho do livro Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago.

À propósito, ontem à noite discorri sobre cegueira, ao pregar o sermão, no culto no Abrigo R15. Então lembrei do filme produzindo pelo brasileiro Fernando Meireles sobre o livro de José Saramago.
O filme não é, nem de longe, uma versão hollywoodiana, padrão “arrasa quarteirão”, típico dos filmes de consumo e da estética do entretenimento, com super trilhas que exageram no sub woofer.

Entretanto, podemos retirar grandes lições do filme, acerca de nossas relações entre seres humanos, quando os recém enceigueirados encontram-se premidos por situações extremas de dificuldades, quando são acometidos de uma cegueira branca, o filme torna-se tenso, mas nos leva a uma tremenda reflexão sobre o sentido do ter e do poder, de como a desumanização e o extinto animalesco podem aflorar quando os seres humanos estão confinados, coexistindo no mesmo lugar comum, e são forçados a disputarem na base da lei do mais forte a corrida pela sobrevivência, e de como, por outro lado, a cura pode advir à partir da iniciativa de pequenas ações como cuidar da necessidade do próximo, de proteger e de se solidarizar com o outro, revelando no filme, o incessante clamor por encontrar o sentido maior pra se viver.

Acontece no mundo literário e do cinema, acontece no mundo espiritual. A cegueira branca acomete sutilmente não só os que não crêem em Deus, quando o inimigo derrama sua névoa entenegrecida sobre o entendimento dos incrédulos, mas essa cegueira branca também se espraia sobre aqueles que se “queixam” de ser cristãos fiés fervorosos. Paulo diz que antes, éramos treva, agora somos luz (no Senhor), e que devemos andar como filhos da luz (Ef5.8). no entanto a realidade crua é que entre ser luz e andar como filho da luz, existe toda uma existência para se acostumar a andar na luz.

O problema se avoluma quando na prática, nem sempre somos todo luz e nem sempre somos todo treva. Às vezes conservamos velhos hábitos, e ainda alimentamos sentimentos mesquinhos. Muitos andam no meio termo, escondidos nas sombras do legalismo mortal, camuflados na penumbra da hipocrisia e dissimulados debaixo da sombra do preconceito e do orgulho. Por tudo isso, Jesus exortou com propriedade, que seus discípulos deviam ficar espertos para que as trevas não os apanhassem imprevistamente, no meio da caminhada.

Nesse sentido, a igreja, acostumada à sombra, perdeu o poder de olhar com os olhos de Jesus. O olhar da igreja mudou... está toldado, amortecido, sem cor e sem brilho. E a igreja, se torna assim, bastante similar a esses cegos que foram confinados, e quando se viu premida pela privação extrema, ou se defrontou com a fama e a prosperidade, entre um polo e outro, revelou seu lado negro de Darth Vader.

Sábado passado fui jantar um um casal amigo e eles me apresentaram o criativo livro de Amélie Nathomb, “A Metafísica dos Tubos”, e fiquei admirado quando li:
“Os olhos dos seres vivos são dotados da mais espantosa das propriedades: o olhar. Não pode haver algo mais singular. Ninguém diz que as orelhas das criaturas tem um “escutar”, nem que suas narinas tem um ‘cheirar’ ou ‘fungar’ especial. Que vem a ser o olhar? É inexprimível. Nenhuma palavra é capaz de chegar perto de sua essência estranha. E no entanto o olhar existe. Qual a diferença entre os olhos que tem um olhar e os olhos que não tem? Esta diferença tem um nome: é a vida. A vida começa onde começa o olhar”.
Tudo a a ver!

Infelizmente, a igreja parece que perdeu essa magia do olhar. O olhar cristalino, pleno de doçura e condescendência pra com os seus iguais na difícil jornada na terra. Ao contrário, seu olhar hoje, é o olhar amortecido, endurecido, estático e sem vida, o olhar da prepotência e da intolerância para com os que não comungam com sua doutrina, não concordam com sua liturgia e não pensam e agem como a liderança determina.

Ressalto de novo: existe uma igreja fantástica, o povo de Jesus, que teologicamente se denomina de remanescente fiel, a igreja verdadeira, bem menor do que as estatísticas revelam, composta de gente sincera e simples, que segue o Evangelho Puro, e creio, muitos estão infiltrados nessas megas igrejas, de líderes melalomaníacos, que pregam um outro evangelho, não de Cristo.

Ao meu ver, a luz no fim do túnel virá quando essa igreja dos tempos de hoje, triunfante mas inflada de jactância, infantil, com seu complexo do “sou salva e o resto é que se dane”, reconhecer seus pontos negros, e dizer como Jesus sugere no seu sermão do monte: “Se meus olhos forem maus, todo o corpo está em trevas, e se é assim, quão grande treva eu sou”, confessar seus pecados, se quebrantar e se arrependEr, e permitir que a luz de Deus a invada a tal ponto que essas manchas escuras de “lado oculto da lua” sejam dissipadas para sempre, para que se faça o avivamento e se levante um numeroso exército de filhos da luz que atraia muitos a viverem o Evangelho na plenitude da luz de Jesus.

E agora, já sem véu, com o rosto desvendado, contemplando e refletindo a face de Cristo, sendo transformada, de glória em glória, pelo Espírito Santo, essa IGREJA/LUZEIRO DO MUNDO vai caminhar impoluta, cheia da autoridade do Rei da Glória sobre a face da terra.

Essa igreja de olhar gracioso, inclusiva em sua essência, é que aguardo e espero irromper poderosamente, na aurora de um novo tempo.

Comentários

markeetoo disse…
muito bom esse texto. é incrível a relação do estado de espírito com o olhar. precisamos ter um olhar como o de Jesus.
Anônimo disse…
AlyCampos:

Muito bom. Aproveitando, cada domingo tem sido agua viva para nós. O Espírito de Deus continue a te iluminar Manel. Edificação total...
Edjane disse…
A pregação de domingo foi ótima, como sempre, a cada domingo me sinto mais renovada, só peço que Deus tenha misericórdia de mim e me dê um olhar como o de Jesus (um olhar cristalino) e quero está sempre pronta para segui-lo.
Alexandre Silva disse…
É realmente impressionante a capacidade criadora de nosso Senhor. Os sentidos são a expressão da vida. Acho que a vida não pode prescindi-los para a sua própria existência. Graças a Deus por isso.
Marilena Silva disse…
Muito peofundo e pertinente, já que os olhos são a janela da alma, que nossa alma esteja conentada com Jesus para que tenhamos o seu olhar, não só para com os que são próximos de nós.
Muito bom! Essa pregação deu um toque diferente nesse texto do Bartimeu. E a adição da cegueira do Saramago foi enriquecedora.

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