PÉ DE MILAGRE - Uma ode ao apetitoso Sapoti



Das frutas amazônicas, aprecio a grande maioria, mas se quiser me fazer feliz de verdade, me dê sapoti. De todas as saborosas frutas amazônicas, a que mais amo é o sapoti. Sapoti... O Sabor dos sabores. O fruto-rei diante do qual todos os demais gostos se tornam insípidos e inexpressivos.
Esse fruto, de polpa suculenta, de formato arredondado, cuja casca é de cor parda e quando tocada, ligeiramente áspera e aveludada, é produzido em uma árvore alta e bem copada. Julho e agosto é o tempo dos sapotizeiros estarem repletos de frutos. Se não os colher em tempo hábil, teremos a concorrência desleal de revoadas incontáveis de passarinhos e morcegos, ávidos por sugar seu néctar.
Semana passada, fui contemplado com a doação de vinte sapotis. Não podia ser um presente Melhor!
A Eró, minha companheira de visitas de longas datas, recebeu uma grande quantidade dessas frutas das mãos de dona Perpétua, senhora idosa, porém daquela safra de mulheres que dão conta de tudo e ainda sabem o que querem. No fundo do quintal do velho bangalô no bairro da Cachoeirinha, situado à Av. Castelo Branco existe um pé de sapoti de copa frondosa que no devido tempo fica apinhado de centenas de frutos. Eró com seu coração generoso dividiu o presente comigo, me ofertando vinte dos maravilhosos exemplares. Ainda estavam verdes, então quando cheguei em casa, agasalhei-os em uma saco plástico embrulhados em jornal, pus na geladeira, e fiquei salivando, esperando o momento certo para degustá-los com toda gana.
Todos os dias abria a geladeira e dava uma testadinha, para ver se as frutas já estavam no ponto para serem devoradas. Uma bela manhã, amassando e sentindo sua textura, percebi para minha alegria, que aquela era a hora!
Retirei do saco três sapotis, depositei-as carinhosamente em um prato sobre o balcão da cozinha, e com uma faca afiada as parti, uma por uma, ouvindo o som cavo da faca cortando a baga parda, consistente, carnuda e com certeza, muito doce. Com uma colher de sobremesa enterrei fundo na poupa fresca, apanhando uma pródiga porção e enfiando a colher na boca, fechei os olhos, sentindo aquele sabor exótico sendo degustado vagarosamente, as papilas gustativas da língua aguçadas, se abrindo livremente para apreciar a doçura do naco gelado, sendo percebido pelo paladar em cada bocado que entrava na boca. Os lábios, a cada colherada ficavam levemente pegajosos, pois à semelhança do abiu, o sapoti tem um sumo viscoso que os deixa meio grudentos.
Comi sapoti até dizer chega! Era sapoti no café da manhã, depois do almoço, no lanche da tarde, antes de dormir, até que um dia enfiei a mão no saco e só restavam as três últimas frutas. Uma já estava bem madura e não deu pra aproveitar todo o seu potencial. Comi as outras duas em câmera lenta. Mastigava vagarosamente “penando” cada bocado, até só restarem os caroços negros e brilhantes, e as cascas marrons murchas e vazias no fundo do prato. Suspiro...Quando usufruirei novamente de tão inusitado prazer?
C.S.Lewis, no livro Perelandra, um dos que compõe sua tetralogia espacial, narra o momento em que Ramson, no planeta Perelandra, “entra em um bosque onde grandes globos de fruta amarela pendiam das árvores, em cachos, do tamanho de balões. A casca era lisa e firme e parecia difícil de abrir. Então, por acaso um dedo rompeu-a e penetrou em uma consistência fria. Instintivamente levou a pequena abertura aos lábios. Tinha a intenção de extrair o mais reduzido trago experimental, mas o primeiro sabor fez fugir toda a precaução. Era tão diferente de todos os outros sabores que parecia simples pedantice sequer chamarem-lhe sabor. Era como a descoberta de um genus de prazer totalmente novo, algo que nunca se ouvira entre os homens, para além do que se pode imaginar. Não poderia ser catalogado. Nunca foi possível dizer se era apetitoso ou voluptuoso, cremoso ou penetrante. Quando sentiu vontade de comer outro fruto, já não estava mais com fome nem sede. E, contudo o que parecia obvio era repetir um prazer tão intenso e tão espiritual. Sua razão o induzia a saborear de novo aquele milagre. Por um motivo qualquer, pareceu melhor não prová-lo de novo. Talvez que a experiência tivesse sido tão completa que repeti-la seria uma vulgaridade – como pedir para ouvir a mesma sinfonia duas vezes no dia”.
Pensando melhor, vou esperar o momento adequado para novamente comer sapotis. Por hora, fica a lembrança de uma experiência surreal, de um prazer espiritual irrepetível como o clímax das mais escolhidas das espiritualidades, quase um êxtase, e uma eco reverberante de um Outro Mundo, onde haverá sendas ensolaradas de terra batida, ladeadas de infinitas alamedas de sapotizeiros atopetados de suculentos milagres.

Comentários

markeetoo disse…
Hehehe post carregado de poesia e descrição detalhada. Gostei. Fiquei com vontade de provar essa tal de sapoti hahaha
Edjane disse…
Comeu 20 e nem dividiu? rsrs
O Senhor descreveu com tantos detalhes, q deu até vontade...
Judiação!
Unknown disse…
Realmente uma narrativa tão poética quanto os escritos de Drumond ou as músicas de Toquinho e Vinícios.
Acho q nunca comi sapotí.
No ano q vem quando tiver a nova safra, me presentei pelo menos 1 pra eu provar.

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