OS QUITUTES DA MAMÃE - MEMÓRIAS



Mamãe era uma artista na cozinha de mão cheia. Ainda hoje salivo quando relembro alguns pratos deliciosos que ela fazia. Algumas de suas receitas eram de lavra própria, outras, porém, lembro bem, eram patrocinadas pelas receitas de um volume grosso intitulado Receitas da Dona Benta – Comer Bem, que ficava sobre a mesa da cozinha de nossa casa estilo europeu construída no início do século passado, situada à Rua Lobo D'Almada.
Meu quarto situava-se ao final do corredor da casa, contíguo à cozinha, e talvez por causa disso, e por ser o mais novo dos quatro filhos, vez por outra era solicitado a ser ajudante da mamãe na cozinha. Consultando meus irmãos mais velhos, soube que quando eram mais novos e morávamos na Rua Luiz Antony, eles também foram muitas vezes solicitados pra esses serviços gastronômicos. Nesse tempo, no entanto, eles já eram jovens e rueiros, então cabia a mim e Necil, a única irmã, ajudarmos nossa mãe nos afazeres culinários. Às vezes, éramos chamados para untar uma bandeja ou fôrma de bolo com manteiga (no caso da fôrma do bolo, éramos premiados comendo a massa crua que sobrava na vasilha e lambendo a colher de pau) outras vezes, éramos convocados para catar feijão ou arroz e outras, para moer carne no moedor manual pra fazer picadinho, chamados para ralar macaxeira, ou para a tarefa simples de esperar o leite do café ferver. Os produtos que ela usava tinham uma preferência definida. A manteiga tinha que ser Aviação e o óleo era sempre de marca Mazolla, invariavelmente.
A arte final das aplicações culinárias de mamãe nos premiava com uma mesa digna dos deuses do Olimpo. Dona Nadehyde fazia um rosbife ao ponto, tenro, que só ele sabia fazer, que chegava a derreter na boca, os peixes nem se fala, tambaqui ou pirarucu a escabeche, (geralmente comia na própria panela ou vasilha, quando todos já haviam se servido à vontade, adicionava farinha e pimenta murupi, fazendo um massapé homogêneo com o molho do fundo), e aquelas sardinhas ou pacus crocantes... hummm! Os indizíveis pimentões recheados com picadinho, as suculentas carnes assadas, as feijoadas com tudo que tem direito, peças de porco, paio, carne seca, calabresa, jerimum e o que não podia faltar nunca, banana pacovã, as panquecas recheadas com molho de tomate e mamãe também às vezes aos jantares, servia um caldo verde que só mesmo ela sabia fazer. A comida dos aniversários festejados em casa era composta do vatapá atochado de camarão com um leve toque apimentado, acompanhado do frango desfiado, maionese, e a farofa crocante com passas e pedacinhos de calabresa. Mas o que era maravilhoso, era o que ela fazia no cotidiano, o trivial, os bifes, as galinhas e os picadinhos, a farofa e o feijão com arroz. Aí depois vinham as sobremesas: O bolo de macaxeira com um toque sutil de açúcar queimado, o Bolo e Comida do Diabo (ela falava satanás, pois falar diabo era palavrão, na concepção de crente fervorosa que era ela), bem preto de chocolate, os cremes de cupuaçu com doce entremeado de chocolate, os manjares com cauda de ameixa, os biscoitinhos de nata, maizena e aveia, que derretiam na boca.
Aqui fica essa grata homenagem a uma mulher, que em muito se assemelhou à descrita nas páginas sagradas como mulher virtuosa.
Mamãe não foi uma profissional diplomada, nem uma exímia executiva, mas cumpriu cabalmente seu papel de mãe e dona de casa. Nesse sentido, era uma administradora e tanto, dando conta de tudo que se passava em nossa casa.
Hoje lembro o jeito determinado da mamãe, em sua rotina, sempre trabalhando, mas sempre elegante com seu ar altivo, porém carregado de sinceridade.
Obrigado mamãe, por me ensinar a arte de comer bem, e poder selecionar o que hoje é comida boa, deliciosa e saborosa e outras nem tanto, por serem meramente comestíveis.
Como ela mesmo dizia quando chegava perto da hora do almoço:
Meio dia, panela no fogo, barriga vazia!

Comentários

markeetoo disse…
recordar é viver ehehe. conforme a gente vai crescendo as memórias da infância vão ficando mais preciosas né? Belo texto =]
Esse texto lembra a minha avó. Ela tb manda bem na cozinha e na vida.

Abraços,
ACJR
Marilena Silva disse…
Ela realmente cozinhava bem demais, até hoje ainda não tomei um caldo verde como o que ela fazia, ou experimentei uma farofa de farinha branca com banana que tb era perfeita. Agradeço a Deus por ter me dado a benção de conviver com ela, mesmo que tenha sido por poucos anos.
Tiago Paladino disse…
Eita saudades da comidinha de mamãe agora hein pr...

gratz...
Tuco disse…
Legal.
Foi bom estar com vcs aí no domingo. Pena que foi tão rápido.

Abração de Blumenau.

Tuco.
Anônimo disse…
ALYCAMPOS:

..Assim não vale, me fez lembrar da banana amassada com leite em pó que comia na infãncia.. e outras tantas comidas.. eta saudade!!!
Poxa pena que não experimentei esse convívio com ela. Nem cheguei a experimentar essas comidas maravilhosas. Espero ter essa oportunidade no céu.
Unknown disse…
Eu sou uma das pessoas que tiveram o privilégio de degustar a famosa maionese de camarão e, concordando com o Manoel, era demais mesmo. Quando ela fazia maionese sempre me chamava porque sabia que eu era super fã. Deu saudade daquele tempo bom...

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