MEMÓRIAS - tempos do Seminário



Estava morando em Recife. Decidi ir para o seminário aos dezesete anos, depois de um retiro no acampamento Palavra da Vida em Paudálho, zona da mata em Pernambuco. Já havia sido impactado pela experiência tremenda de participar em Manaus do avivamento que sacudiu a IPM e o mundo na década de setenta. Terminei o segundo grau no Colégio Americano Batista e como não viria a Manaus nas férias de 78, para aproveitar o tempo, ingressei no Seminário Batista do Norte. Nesse ano, fui aluno de “feras“ como Merval Rosa e Harold Shally. Só em 79 comecei a fazer o seminário Presbiteriano do Norte situado no pacato bairro de Madalena, à rua Demócrito de Sousa Filho.
O terreno era grande e muito bonito e finalizava com o rio Capibaribe aos fundos. As casas dos professores Otto Dourado (teologia) e do Hantz Newman (hebraico) ocupavam a parte da frente. Depois que se passava o portão, se defrontava com uma árvore frondosa, após a qual havia uma quadra cercada de pitangueiras. Todas a tardes, aí pelas cinco horas começava o “baba”, arena onde os seminaristas desafogavam seus impulsos mais fortes em uma acirrada partida de futebol.
Aí se vislumbrava bem à frente, o prédio antigo denominado Samuel Falcão com seu hall de entrada, auditório de um lado e refeitório do outro, e uma escada que dava acesso ao andar de cima com dormitórios em corredores de um lado e de outro.
Dividia o quarto do seminário com o Djard, amigo de longas datas e colega que me acompanhou desde o primário no Instituto de Educação do Amazonas, e agora, cursando o seminário juntos.
Nosso quarto no seminário se não era o mais sofisticado, era o mais completo. A composição era assim: guarda-roupas embutidos de um lado e de outro, e quem entrasse pela porta veria à esquerda, minha inseparável prancheta de desenho, e espalhados por cima, materiais diversos como réguas, esquadros, papeis, canetas, latas de pincéis atômicos, etc, e em baixo à frente um toca disco antigo, e uma televisão preto e branco que só ligava no “tranco”, do outro lado uma mesa comum onde o Djard estudava, encostada à parede uma estante de ferro onde colocávamos nossos livros, e ao fundo, de um lado e de outro os nossos “catres”, as duas camas de solteiro.
Entre nossos bens preciosos tínhamos um liquidificador, no qual fazíamos nossa vitaminada composta de neston, banana e açúcar, mas na hora de acioná-lo, colocávamos o eletro doméstico dentro do guarda-roupa. Esse era um recurso extremo para evitar que os seminaristas de nossa ala ouvissem o barulho e pegando seus canecos e copos, batessem à nossa porta e fazendo fila, pedissem para dividir conosco o líquido precioso.
Na parte de trás do terreno havia a biblioteca, onde no segundo andar também eram alojados alguns casais, um casarão, com mobiliário, estantes e livros bem antigos, e do lado esquerdo mais ao fundo do terreno, um prédio novo, com salas de aula e onde também funcionava a secretaria.
As aulas que mais gostava e ficava com o coração cheio de expectativa, eram ministradas pelo Pr. Francisco Leonardo, holandês piedoso, homem de oração e conhecedor das originais bíblicos e da história da igreja. Até hoje, esse amado irmão tem sido referência de vida, e norteador para viver uma vida profunda e cheia de piedade cristã.
O professor Airton dava as aulas de grego, e lembro que sempre ficava desenhando, rabiscando e fazendo caricaturas no meu caderno enquanto ocorriam as aulas de um modo geral, sem contudo atrapalhar a plena assimilação das mesmas. Em uma manhã, durante a aula de grego, todos os alunos bradando unísonos as conjugações do presente do indicativo do verbo “Liõ”(soltar, livrar):
Liõ, liéis, liei, liomem, lieté, liousin!
E eu, rabiscando a caricatura do professor no caderno. Ao meu lado, o Djard e o Ehud, ficavam olhando e rindo. De repente, o professor Airton parou a aula e me chamou à frente, e que viesse com meu caderno à mão. A classe, composta de cinqüenta e poucos alunos, ficou em silêncio absoluto. Eu me encaminhei para frente da mesa do professor, ele olhou pra mim, estendeu a mão, me pedindo o caderno. Ele o tomou de minhas mãos, olhou pra mim muito sério e depois direcionou os olhos para a página do caderno. Quando ele viu a caricatura, qual minha surpresa. PGRGMMMMFFF! Ele explodiu numa gargalhada estridente, jogando perdigotos pra todo lado, e depois, passando o lenço na boca, me pediu a todo custo que desse a ele a obra de arte que acabara de fazer. Aí todos relaxaram, e a aula continuou.
No tempo que passamos no SPN, eu, Djard, Leo e Marcos José éramos muito ligados em amizade e constituímos um compacto grupo de oração. Essas reuniões nos propiciaram momentos de profunda intimidade com Deus e crescimento espiritual. Nesse tempo, estávamos experimentando a aventura de um ministério de intercessão,quando tivemos muitas experiências de orar, e Deus nos mostrar os motivos pelos quais deveríamos interceder. Os céticos alunos nossos colegas, se incomodavam muito com isso, e assim, nos perseguiam, e gozavam falando que não precisava daquilo, que éramos crentes demais.
São muitas as boas lembranças do seminário. Só não sinto muita saudade da comida, quando ofereciam o "macarrão fariseu" (com uma cobertura maravilhosa com molho de tomate, azeitonas, fatis de ovos, verduras por cima, mas abaixo da superfície, só macarrão cru) , o "arrôz koinonia" (ligadinho e bem unido) e o frango Sylab" (tostado que nem o laboratório espacial que ficou carbonizado ao entrar na atmosfera terrestre).
Hoje, vejo que muita matéria que estudei no seminário, podia ser suprimida ou substituída, por não valerem para vida prática ou por não serem relevantes no mundo pós-moderno. Outras sim, foram essenciais, como exegese e hermenêutica,que evitam de interpretar o texto sagrado de forma irresponsável e destituída de seu contexto histórico e original.
Mas louvo a Deus pelos anos que passei ali, e por tudo ter sido motivo para forjar o caráter e em me fazer, até hoje, um obreiro consciente do meu chamado para atender as necessidades do Reino.

Comentários

Ed disse…
Passando pra dizer : não abandone mas o blog! rs

Post muito legal, engraçado q a gente viaja tb, essa do liquidificador foi uó..kkk

bjão!
Me amarrei nessa retrospectiva. Assim a gente conhece mais dos seus tempos de juventude.
Marilena Silva disse…
Bateu a saudade em mim agora! aquele terreno e os prédios estão muito vivos na minha lembrança tb. Até o cheiro da sopa no fim da tarde que eu senti desejo de tomar qdo estava grávida do micael e todos acharam que só grávida mesmo pra ter um desejo daqueles, hehehe. Tempos muito bons, de muita necessidade material, mas MUITO cuidado de Deus e lições que ficam pra vida toda.
Ei Manolo,

Muito bom o post e e' muito legal saber um pouco mais dessas historias, e claro poder ver como Deus toma conta de nos. Tudo que passamos na vida, nada e' em vao, e so' Deus sabe o verdadeiro motivo de cada pequenino detalhe.

Fique com Ele, e aguardo ansioso o proximo post.
Grande abraco!
Unknown disse…
Muito jóia Manecão!
No meio do ano de 2004, eu passei uma semana morando nesse seminário.
Eu estava numa época "só love" com a Palavra d Deus e lia muito sobre as doutrinas básicas da fé cristã.
Viajava fascinado com a soteriologia, com a doltrina do pecado, em conhecer sobre o Espírito Santo, a Missio Dei, e a TULIP me deixava bastante humilhado na presença d Deus e promovia em mim muita gratidão tb.
Foi nesse tempo d muita busca de Deus que fui a um congresso lá no SPN e passei uma semana muito edificante no seminário.
Lembro-me da maioria dos detalhes q o senhor mensionou. Joguei bola naquela quadra, comi muito jambo e manga dakelas arvores mas lembro principalmente da biblioteca, onde fazia visitas esporádicas com um amigo da igreja pra saborear akeles livros q só tinha lá
O fim d 2004 foi extremamente frustrante pra mim pois, eu esperava receber o apôio e incentivo da liderança d minha igreja qd saiu o resultado da minha prova de ingresso nesse Seminário. Eu fiquei em 7 lugar dos 24 aprovados, e estava super animado com o ministério mas Deus, em sua soberania não permitiu. Ele sabe o q faz!
Valeu pelo post Manel, me emocionou mesmo.
O SPN pra mim representa um misto de despertamento, alegria e frustração.
Show d bola!
Djard C. Moraes disse…
Manel, voce me fez retornar no Tunel do Tempo...as reunioes de oracoes foram marcantes, o liquidificador no guarda toupa foi hilario... o desenho da biblioteca ta perfeito! Parabens e Deus te abencoe e continue blogando sempre! Paz de Cristo
AlyCampos disse…
É isso aeeee...que revival!!..muito bom, que o blog volte a bombarrr!!
Valdir Franca disse…
Manoel, sempre venho aqui na esperanca de encontrar um texto bem escrito que desperta na alma sensacoes de experiencias que fazem parte da tua historia, mas que de alguma forma se reflete na vida daqueles que viveram sua propria historia nos mesmos lugares e momentos, mas so que com uma outra perspectiva.
Ri bastante com alguns detalhes tao tipicos do seminario. Ainda tenho contato com o Djard, que por sinal vai passar por casa no dia 20 de abril.
Grande abraco meu brother. O blog ficou muit bom...
Silvio Bonilha disse…
Meu querido mano Manuel,
Admiro sua arte desde que o conheci. Uma vez você fez um desenho a meu pedido. Era um semeador, de sandálias, com o dedão do pé em primeiro plano. Coisa formidável, utilizamos o desenho para ilustrar um folheto de uma campanha.
Agora eu vendo seu desenho da biblioteca, fiquei com um nó na garganta, bons tempos, grandes amigos.
Abraços

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